Comecemos por onde Paris também começou, a Île de La Cité. Estamos em frente da Catedral Notre Dame. Do alto destas torres sete séculos nos contemplam. E, se você aguçar os olhos e a imaginação, também poderá ver o corcunda Quasímodo nos espiando de dentro de um nicho, lá em cima. Se você não entender como Quasímodo, um personagem fictício de Victor Hugo pode estar vivo e nos olhando, não se preocupe. Ele também acompanha o movimento de ônibus e turistas em frente à sua catedral sem acreditar no que vê. Vamos dar uma passada dentro da Notre-Dame. Rápida, porque o tempo está bonito e temos muita coisa para ver.
Depois da Notre-Dame o indicado é ir dar uma espiada na Sainte-Chapelle, também na ilha, uma pequena jóia de arquitetura gótica, com seus vitrais que parecem ocupar mais espaço do que as paredes que os sustentam. Mas a capela fica dentro do Palácio da Justiça, é complicado para entrar e, mesmo, você não quer passar o tempo todo fechado em igrejas. Tenho uma idéia melhor. Saindo da Notre-Dame, vamos virar à direita e caminhar até a ponte que nos leva a outra ilha, a Saint-Louis. Uma confidência: depois de assaltar o Banco do Brasil, é na île Saint-Louis que eu irei morar. Comprarei a cobertura de um prédio de século XVII, mas com elevador deste século, e passarei meus dias no terraço, de casaco de veludo Bordeaux e com um vinho idem na mão, fiscalizando o tráfego do rio. (Sena)
Depois de rodear a ilha, com suas árvores e seus cais tranqüilos, rumamos para uma das suas instituições mais famosas: a sorveteria Bertillon. Na verdade existem várias sorveterias Bertillon na Île Saint-Louis, e todas vendem o mesmo sorvete fabricado na loja matriz, da rua central, considerado por muitos o melhor sorvete do mundo. Eu escolho o de marron e o de maçã. Você, claro, pode escolher o que quiser, só não peça para provar o meu. Advogo a solidariedade humana em todas as situações, menos na partilha do sorvete Bertillon.
De Île Saint-Louis atravessamos outra ponte para a margem direita do Sena. Estamos perto do apartamento do Jorge Amado, mas nem ele é uma atração da primavera em Paris nem ficaria bem incomodar o conterrâneo só porque estamos nas suas redondezas. Nosso objetivo é Marrais, um dos bairros mais antigos de paris. Já foi um dos mais nobres, depois decaiu, depois foi restaurado, hoje é dos endereços caros e cobiçados da cidade. No Marais até a Place de Voges, completada em 1612 segundo as especificações de Henrique IV, que queria, antes de mais nada, simetria. As 36 casas que circundam a praça mantém até hoje o mesmo estilo da época em que a então Place Royale era o centro de festividades da monarquia. Numa delas morou Victor Hugo, entre 1813 e 1848. E, no térreo de outra, atrás de uma porta tão discreta que a maioria não nota, está um dos grandes restaurantes de paris. L’Ambroisie. Iremos lá um dia, depois do assalto. Por enquanto sentemos no jardim central da praça, olhemos as crianças que brincam sem qualquer perspectiva histórica e meditemos sobre o tempo e seus mistérios. Se a filosofia der fome podemos caminhar até a Rue dês Rosiers, ali perto. Fica no nosso caminho e tem muitas lojas de comida judia para devolver o vigor a nossos passos. Ainda vamos longe.
Passamos pelo Centro de Pompidou, depois de combinar que precisamos voltar ao Marais para ver o Museu Carnavalet e, principalmente, o Museu Picasso, montado com as doações que seus herdeiros fizeram ao Estado para quitar impostos. O Centro Pompidou já dói descrito como o Mausoléu do Robocop e a reação das pessoas quando vêem da primeira vez Vaira de “Que legal!” ao vômito. Como não sei em que categoria você se inclui, afasto-me para que você o enfrente sozinho. A minha opinião? Gosto, mas não o poria na minha sala. É um imenso museu construído com todos os seus tubos despudoradamente à mostra. Nos dias de primavera a grande área à sua volta se enche de uma variada fauna que a transforma numa mescla de pátio dos milagres e circo, onde você pode passar horas vendo e ouvindo malabaristas escandinavos, mímicos africanos, um grupo de japoneses que só canta Beatles e malucos de todas as procedências brigando pela atenção do público. Mas não temos tempo. Em frente!
Estamos chegando ao antigo mercadão de Les Halles, o velho ventre de Paris, como o chamou Èmile Zola, onde, sob arcadas de ferro, se negociavam comidas e bebidas em proporções gargantuescas e pantaguélicas (de Gargante e Pantagruel), personagens onívoros de Rabelais – este é um tour de classe) e que não existe mais. Substitui-o um complexo subterrâneo de lojas, butiques, cinemas, teatros e restaurantes que atende pelo nome coletivo de Forum dês Halles e que também desperta reações múltiplas que vão do “Oh!” ao “Pshaw” nos visitantes. Nem a transformação da superfície do fórum num jardim, com arcos que lembram as antigas armações de ferro, diminui a saudade que muitos parisienses têm do velho mercado.
Um tradicional programa – ou fim de programa – de antigamente era tomar sopa de cebola e comer escargots ou tripas num dos muitos restaurantes da zona, de madrugada, vendo os ingredientes descarregar seus produtos para as vendas do dia. Nada para estimular o apetite como ver os outros trabalhando. O mercado se foi, mas felizmente, muitos daqueles restaurantes continuam em atividade, embora alguns, como por que agora passamos, Au Pied de Cochon, tenham-se transformado em templos de turismo, com uma clientela parecida com a mistura de caminhoneiros, peixeiros e grã-finos que freqüentavam antes. Mas assim é o progresso.
Todo mundo conhece a história da turista brasileira que encontrou outra turista brasileira numa rua de Paris disse:
- Sabe que eu estou aqui há uma semana e ainda não fui ao Louvre?
E a outra:
_ Eu também! Será alguma coisa na água?
Não é uma necessidade ira ao Louvre, mas podemos fazer o seguinte: entrar pela nova pirâmide (que também tem gente que adora e gente que odeia), correr até a Mona Lisa, afastando japoneses do caminho a cotoveladas, prestar 20 segundos de homenagem a Leonardo da Vinci e, por seu intermédio, a toda a moçada da renascença e, depois sair correndo do museu, sem se esquecer de abanar para Vênus de Milo, que não poderá responder ao abano. E, portanto, estamos de volta ao sol, e com dois percursos para escolher. Ou seguimos em frente, atravessamos o longo Jardim de Tuileries rumo à Place de La Concorde e aos Champs-Elysées, ou vamos para a direita , o que nos levará ao jardim do Palais-Royal. Vamos para o Palais-Royal. Não discuta, o guia sou eu. Chegamos aos Champs-Elysées, sim, mas por outro lado, e na sua melhor hora, o fim da tarde. Estão com fome? De novo? Está bem. Meia hora para a restauração. Mas, cuidado. Aquela história de que em qualquer lugar bistrozinho de Paris se come bem é um mito que geralmente não resiste ao primeiro bistrozinho. Como temos pouco tempo, o melhor é entrar num café e pedir um croque-monsieur, um sanduíche de queijo torrado. Também existe o croque-madame, que, parece, é igual ao croque-monsieur, mas vem com ovos, numa completa inversão da expectativa. Tomemos só um copo de vinho ou um demi, que é “chopinho” em francês. Precisamso continuar alerta.
O Palais Royal era do cardeal Richelieu, que, ao morrer, o deixou para Luís XVIII, que também morreu logo em seguida. Sua viúva, Ana de Áustria, mudou-se do Louvre para lá com o jovem Luis XIV e... Mas não temos tempo para todos os luíses e vindas. Só interessa que em 1780 o palácio passou para Louis Philippe d’Orleans, que precisava de dinheiro e por isso mandou cercar os jardins com prédios de apartamentos, com arcadas e lojas em baixo. Talvez não exista melhor lugar para um passeio primaveril em Paris do que esse quadrilátero arborizado, com um chafariz no meio e um belo exemplo da arquitetura do século XVIII em volta, mesmo que restaurada (os prédios foram incendiados durante a Comuna de Paris). Entrando pelo palácio original, pode-se sair do jardim na sua outra extremidade, que dá para a Rue de Beaujolais e. logo em seguida, a Rue dês Petit Champs. Aqui, sugiro um pequeno desvio. Em vez de seguirmos para a esquerda, para a Place Vendôme, a Place de La Concorde, os Champs-Elysées e o etc., vamos dar uma rápida espiada na Place dês Victoires, um dos tesouros secretos desta zona. É um pequeno círculo com uma estátua de um dos luíses no meio que tinha caído em desuso e há pouco foi redescoberto, e hoje é o endereço de muitas daquelas butiques para jovens milionários cuja única decoração são pálidas vendedoras de preto, com o ar de quem só se alimenta de aspargos finos e um ou outro homem dos pequenos. Fim do desvio.
Nosso objetivo, agora, caminhando resolutamente pela Rue dês Petits Champs, é a Place Vendôme. Se o mundo dos ricos tem um umbigo, é a Place Vendôme. Aqui ficam uma das duas entradas do Hotel Ritz, joalherias e perfumarias famosas, bancos cuja importância é inversamente proporcional ao tamanho da placa da porta e os melhores exemplos da arquitetura francesa do século XVII. A coluna no centro da praça é feita de pedra e de bronze de mil canhões capturados por Napoleão na batalha de Austerlitz em 1805, e era do seu topo que Scott Fitzgerald, depois de beber no bar do Ritz, sonhava fazer xixi no povo, ou pelo menos na Zelda. Saindo, relutantemente, da Place Vendôme pela Rue de Castiglione chegamos ao finzinho do jardin dês Tuileries. Da sua amurada, que dá par a Place de La Concorde, podemos ver a magnífica perspectiva dos Champs-Elysées, que termina no Arco do Triunfo, lá em cima. Sim, crianças, faremos todo o trajeto a pé, não é hora de desanimar. O comprido trecho que leva da Place de La Concorde até o começo da subida em direção ao Arco é o carré dos Champs-Elysées, e caminha-se nele sob amendoeiras, de preferência assoviando. Quando começa a subir na vida, o Champs se torna comercial e mais social, é a zona do comércio caro, de grandes cinemas, das companhias aéreas e... Não! Não senta aí. Em qualquer café do Champs-Elysées a mineral tem preço de champagne, e o champagne varia com a cotação do ouro. Vamos continuar subindo por esta larga calçada, olhando a multidão e as vitrines e controlando qualquer impulso de compra, que nesta região equivaleria ao suicídio. Estamos nos aproximando do Arco do Triunfo. Napoleão mandou construí-lo para receber seus exércitos vitoriosos, mas nada nos impede de tomá-lo como uma homenagem ao nosso pequeno triunfo, o de ter chegado até aqui razoavelmente inteiros. Doze avenidas se encontram na Place Charles de Gaulle, onde está o Arco. Mais do que tudo que vimos até agora, o fato de os carros entrarem e saírem desse círculo infernal sem se bater é um exemplo de civilização superior. Se xingam, se intimidam e se ameaçam, mas raramente se chocam. Esta é a melhor hora – com o sol se apagando e as luzes se ascendendo – para olhar a perspectiva ao contrário: do Arco em direção à Place de La Concorde e, lá no fundo, ao Louvre. Pegando aquela avenida ali vocês vão dar na Place do Trocadero, de onde se tem uma espetacular visão da Torre Eiffel no outro lado do rio. Não há como errar. Eu vou ficar por aqui. Haja sola. Não, não precisa gorjeta. Bem, talvez uns trocados para o sapateiro. Agora andem, que Paris é para sempre, mas a primavera não.
Nenhum comentário:
Postar um comentário